Blog editado por Antonio Navarro

EXPRESSÃO COMUNISTA é um espaço para difusão cultural e debates sobre a conjuntura política.

segunda-feira, 27 de fevereiro de 2012

Sobre a estrutura tributária ou Capitalismo: o mundo cão



Na hora de pagar impostos, é melhor ser "pet" que ser gente.
Seguem alguns exemplos da curiosa estrutura tributária brasileira *:

Hospedagem em hotel: 30%
Hotel para animais : 27%
-
Medicamento para uso humano : 34%
Medicamentos para uso animal : 13%
-
Caderno e lápis  são mais tributados (35%) do que os lucros com juros bancários (26%).
Pra que estudar no país dos rentistas?
-
 Tem mais: proporcionalmente, a carga tributária pesa mesmo é nas costas de quem trabalha, e não dos que lucram com o esforço alheio.

"No Brasil, quem ganha até dois salários mínimos gasta 26% de sua renda no pagamento de tributos indiretos, enquanto que o peso da carga tributária para as famílias com renda superior a 30 salários mínimos corresponde apenas a 7%" (Revista Princípios, nº 94).

Os ricos pagarem menos impostos que os pobres é uma verdadeira cachorrada.


*(fonte: FIEP)

Antonio Navarro - Secretário de formação e propaganda do PCdoB de Curitiba

sábado, 28 de maio de 2011

Slavoj Zizek: 'O capitalismo não é a única opção para a humanidade'

Em um determinado momento da Primeira Guerra Mundial, em uma trincheira, um soldado alemão envia uma mensagem informando que a situação por lá “era catastrófica, mas não era grave”. Em seguida, recebeu a resposta dos aliados austríacos afirmando que a situação deles era “grave, mas não catastrófica”.

Essa anedota é representada pelo filósofo Slavoj Zizek para explicar a atual falta de equilíbrio nas discussões sobre as crises mundiais e nas possíveis alternativas para solucioná-las. “Uns acham que vivemos uma situação catastrófica, mas que não é grave. Outros que a situação é grave, mas não catastrófica”, expôs o professor nascido na Eslovênia. 


Neste fim de semana, Zizek participou da conferência “Revoluções, uma política do sensível”, promovida pelo Instituto de Tecnologia Social, pela Secretaria Nacional de Direitos Humanos da Presidência da República, pelo SESC-SP e pela Boitempo Editorial. Com bom humor e comentários ácidos e perspicazes, ele defendeu a importância de um debate alternativo à imposição do capitalismo como única lógica possível de organização. Também criticou a forma como as mídias e os governos pautam a discussão ambiental.

Durante o encontro, o professor explicou que a importância do trabalho filosófico está na prática de “destruição do pensamento dominante”. Ele alertou que é preciso colocar um fim à predominância da ideologia capitalista, já que a maioria das pessoas age como se não houvesse outra alternativa.

Comunismo como opção

“Os problemas que enfrentamos são comuns a todos nós, por isso o comunismo é uma alternativa. A utopia que temos hoje é acreditar que soluções isoladas é que vão resolver os problemas mundiais”, argumenta Zizek.

Para o filósofo, devemos pensar em uma forma de organização política que “esteja fora da lógica e das regras do mercado”. A República Democrática do Congo, segundo o professor, é um sintoma do capitalismo global. “É um Estado que simplesmente não funciona como Estado. Trata-se de uma série de áreas controladas por generais locais que mantêm contratos com grandes empresas internacionais”.

Ele afirma que, a todo momento, dizem que comunismo é algo impossível. “Cientistas discutem aperfeiçoamentos genéticos que podem nos dar a imortalidade. Outros falam do uso da telepatia para operar aparelhos. Não podemos deixar que nos digam que o queremos é impossível!”, diz.

Zizek cita o exemplo da China onde, segundo ele, foram proibidos livros, filmes, gibis e qualquer outra produção artística e cultural que sugira ou faça referência a realidades alternativas. “No Ocidente, não é preciso que nenhum governo proíba isso, nós encaramos a realidade como se ela só pudesse ser dessa forma”, analisa.

Capitalismo ético-social?

O capitalismo tem um enorme poder de absolver as críticas que recebe e de transformá-las em novas fontes de lucro, explica Zizek. “Hoje há uma espécie de capitalismo ‘ético-social’. Para você ficar com a consciência mais tranqüila, as grandes marcas dizem que 1% do valor do produto vai para crianças que passam fome ou para plantar mudas de árvores”, diz.

Ele esclarece que essa lógica é própria da filosofia norte-americana, que vende a ideia de que, assim, “estamos salvando o mundo”. E nos sentimos bem com isso.   
Os problemas capitalistas estão sendo vistos como problemas morais, esclarece Zizek. Para ele, o problema disso é que, a partir desta visão, as pessoas comecem a acreditar que punições ou soluções morais são suficientes para resolver os problemas provocados pelo capitalismo.

“Vejam como o presidente (dos EUA, Barack) Obama tratou a questão do vazamento de petróleo no México. Um problema ambiental foi transformado em um problema legal. Discutiu-se o se a empresa teria de recompensar e de quanto seria essa multa. É ridículo tratar um caso desses como uma simples questão legal”, exemplifica.

A crise ambiental

Quando a preocupação com a degradação ambiental ganhou força, a mídia dizia que isso era coisa de comunista que estava arrumando uma desculpa para criticar o capitalismo, conta o filósofo. “Agora há um discurso mais ambíguo, os canais de comunicação dizem, por exemplo, que quando as camadas de gelo derreterem, vai ficar mais barato comprar os produtos chineses”, ironiza Zizek.

Para ele, há um “mecanismo de negação” em torno da questão ambiental. “Fala-se tanto da gravidade da natureza, de que o mundo pode acabar em um, dois anos, que isso amortiza a consciências das pessoas. Elas pensam: ‘Se eu falar muito nisso, talvez nada aconteça!’” ilustra o professor.

De acordo com Zizek, a ideia de sustentabilidade é um mito e não há “equilíbrio ideal com a natureza para o qual podemos retornar”. Uma das ideia mais difundidas é que devemos buscar pequenas soluções para o meio ambiente. “Vocês gostam de torcer no futebol, não? Quando vão ao estádio e ficam gritando e pulando, acham que isso faz o seu time vencer. A reciclagem é igual a essa torcida”, brinca Zizek.

Oriente Médio e África

Zizek aponta que as recentes manifestações no Oriente Médio e na África mostram, ao contrário do que o Ocidente afirmava, que eles são capazes de se organizar por questões que vão além do fundamentalismo ou do anti-ceticismo.

Para os padrões ocidentais, a liberdade em um país é medida, principalmente, na existência ou não de mecanismos eleitorais e no respeito aos direitos humanos. “A liberdade, como já dizia Marx, deve ser vista em como se dão as relações sociais. É preciso ver se as pessoas possuem liberdade dentro dos mecanismos sociais”.

Segundo o filósofo, o momento mais importante destas revoluções é o “dia seguinte”. “Estamos muito animados com estes recentes acontecimentos. Mas a verdadeira revolução precisa acontecer agora”.

Garantia Acme

Slavoj Zizek concluiu a palestra com a previsão de que, ainda que demore mais um tempo, o sistema global vai revelar como é frágil, apesar de aparentar ser invencível. “O capitalismo está na mesma situação do Coiote perseguindo o Papa-léguas. Ela já passou a linha do abismo, só falta ele olhar para baixo e ver que não está mais pisando no chão!”. 

quarta-feira, 25 de maio de 2011

Quatro mentiras sobre o ambiente

Quatro frases que aumentam o nariz do Pinóquio


1- Somos todos culpados pela ruína do planeta.

A saúde do mundo está feito um caco. “Somos todos responsáveis”, clamam as vozes do alarme universal, e a generalização absolve: se somos todos responsáveis, ninguém é. Como coelhos, reproduzem-se os novos tecnocratas do meio ambiente. É a maior taxa de natalidade do mundo: os experts geram experts e mais experts que se ocupam de envolver o tema com o papel celofane da ambiguidade.

Eles fabricam a brumosa linguagem das exortações ao “sacrifício de todos” nas declarações dos governos e nos solenes acordos internacionais que ninguém cumpre. Estas cataratas de palavras – inundação que ameaça se converter em uma catástrofe ecológica comparável ao buraco na camada de ozônio – não se desencadeiam gratuitamente. A linguagem oficial asfixia a realidade para outorgar impunidade à sociedade de consumo, que é imposta como modelo em nome do desenvolvimento, e às grandes empresas que tiram proveito dele. Mas, as estatísticas confessam.

Os dados ocultos sob o palavreado revelam que 20% da humanidade comete 80% das agressões contra a natureza, crime que os assassinos chamam de suicídio, e é a humanidade inteira que paga as consequências da degradação da terra, da intoxicação do ar, do envenenamento da água, do enlouquecimento do clima e da dilapidação dos recursos naturais não-renováveis. A senhora Harlem Bruntland, que encabeça o governo da Noruega, comprovou recentemente que, se os 7 bilhões de habitantes do planeta consumissem o mesmo que os países desenvolvidos do Ocidente, “faltariam 10 planetas como o nosso para satisfazerem todas as suas necessidades”. Uma experiência impossível.

Mas, os governantes dos países do Sul que prometem o ingresso no Primeiro Mundo, mágico passaporte que nos fará, a todos, ricos e felizes, não deveriam ser só processados por calote. Não estão só pegando em nosso pé, não: esses governantes estão, além disso, cometendo o delito de apologia do crime. Porque este sistema de vida que se oferece como paraíso, fundado na exploração do próximo e na aniquilação da natureza, é o que está fazendo adoecer nosso corpo, está envenenando nossa alma e está deixando-nos sem mundo.


2- É verde aquilo que se pinta de verde.
 
Agora, os gigantes da indústria química fazem sua publicidade na cor verde, e o Banco Mundial lava sua imagem, repetindo a palavra ecologia em cada página de seus informes e tingindo de verde seus empréstimos. “Nas condições de nossos empréstimos há normas ambientais estritas”, esclarece o presidente da suprema instituição bancária do mundo. Somos todos ecologistas, até que alguma medida concreta limite a liberdade de contaminação.

Quando se aprovou, no Parlamento do Uruguai, uma tímida lei de defesa do meio-ambiente, as empresas que lançam veneno no ar e poluem as águas sacaram, subitamente, da recém-comprada máscara verde e gritaram sua verdade em termos que poderiam ser resumidos assim: “os defensores da natureza são advogados da pobreza, dedicados a sabotarem o desenvolvimento econômico e a espantarem o investimento estrangeiro.”

O Banco Mundial, ao contrário, é o principal promotor da riqueza, do desenvolvimento e do investimento estrangeiro. Talvez, por reunir tantas virtudes, o Banco manipulará, junto à ONU, o recém-criado Fundo para o Meio-Ambiente Mundial. Este imposto à má consciência vai dispor de pouco dinheiro, 100 vezes menos do que haviam pedido os ecologistas, para financiar projetos que não destruam a natureza. Intenção inatacável, conclusão inevitável: se esses projetos requerem um fundo especial, o Banco Mundial está admitindo, de fato, que todos os seus demais projetos fazem um fraco favor ao meio-ambiente.

O Banco se chama Mundial, da mesma forma que o Fundo Monetário se chama Internacional, mas estes irmãos gêmeos vivem, cobram e decidem em Washington. Quem paga, manda, e a numerosa tecnocracia jamais cospe no prato em que come. Sendo, como é, o principal credor do chamado Terceiro Mundo, o Banco Mundial governa nossos escravizados países que, a título de serviço da dívida, pagam a seus credores externos 250 mil dólares por minuto, e lhes impõe sua política econômica, em função do dinheiro que concede ou promete.

A divinização do mercado, que compra cada vez menos e paga cada vez pior, permite abarrotar de mágicas bugigangas as grandes cidades do sul do mundo, drogadas pela religião do consumo, enquanto os campos se esgotam, poluem-se as águas que os alimentam, e uma crosta seca cobre os desertos que antes foram bosques.

3- Entre o capital e o trabalho, a ecologia é neutra.
 
Poder-se-á dizer qualquer coisa de Al Capone, mas ele era um cavalheiro: o bondoso Al sempre enviava flores aos velórios de suas vítimas… As empresas gigantes da indústria química, petroleira e automobilística pagaram boa parte dos gastos da Eco-92: a conferência internacional que se ocupou, no Rio de Janeiro, da agonia do planeta. E essa conferência, chamada de Reunião de Cúpula da Terra, não condenou as transnacionais que produzem contaminação e vivem dela, e nem sequer pronunciou uma palavra contra a ilimitada liberdade de comércio que torna possível a venda de veneno.

No grande baile de máscaras do fim do milênio, até a indústria química se veste de verde. A angústia ecológica perturba o sono dos maiores laboratórios do mundo que, para ajudarem a natureza, estão inventando novos cultivos biotecnológicos. Mas, esses desvelos científicos não se propõem encontrar plantas mais resistentes às pragas sem ajuda química, mas sim buscam novas plantas capazes de resistir aos praguicidas e herbicidas que esses mesmos laboratórios produzem. Das 10 maiores empresas do mundo produtoras de sementes, seis fabricam pesticidas (Sandoz-Ciba-Geigy, Dekalb, Pfizer, Upjohn, Shell, ICI). A indústria química não tem tendências masoquistas.

A recuperação do planeta ou daquilo que nos sobre dele implica na denúncia da impunidade do dinheiro e da liberdade humana. A ecologia neutra, que mais se parece com a jardinagem, torna-se cúmplice da injustiça de um mundo, onde a comida sadia, a água limpa, o ar puro e o silêncio não são direitos de todos, mas sim privilégios dos poucos que podem pagar por eles. Chico Mendes, trabalhador da borracha, tombou assassinado em fins de 1988, na Amazônia brasileira, por acreditar no que acreditava: que a militância ecológica não pode divorciar-se da luta social. Chico acreditava que a floresta amazônica não será salva enquanto não se fizer uma reforma agrária no Brasil.

Cinco anos depois do crime, os bispos brasileiros denunciaram que mais de 100 trabalhadores rurais morrem assassinados, a cada ano, na luta pela terra, e calcularam que quatro milhões de camponeses sem trabalho vão às cidades deixando as plantações do interior. Adaptando as cifras de cada país, a declaração dos bispos retrata toda a América Latina. As grandes cidades latino-americanas, inchadas até arrebentarem pela incessante invasão de exilados do campo, são uma catástrofe ecológica: uma catástrofe que não se pode entender nem alterar dentro dos limites da ecologia, surda ante o clamor social e cega ante o compromisso político.

4- A natureza está fora de nós.


Em seus 10 mandamentos, Deus esqueceu-se de mencionar a natureza. Entre as ordens que nos enviou do Monte Sinai, o Senhor poderia ter acrescentado, por exemplo: “Honrarás a natureza, da qual tu és parte.” Mas, isso não lhe ocorreu. Há cinco séculos, quando a América foi aprisionada pelo mercado mundial, a civilização invasora confundiu ecologia com idolatria. A comunhão com a natureza era pecado. E merecia castigo.

Segundo as crônicas da Conquista, os índios nômades que usavam cascas para se vestirem jamais esfolavam o tronco inteiro, para não aniquilarem a árvore, e os índios sedentários plantavam cultivos diversos e com períodos de descanso, para não cansarem a terra. A civilização, que vinha impor os devastadores monocultivos de exportação, não podia entender as culturas integradas à natureza, e as confundiu com a vocação demoníaca ou com a ignorância. Para a civilização que diz ser ocidental e cristã, a natureza era uma besta feroz que tinha que ser domada e castigada para que funcionasse como uma máquina, posta a nosso serviço desde sempre e para sempre. A natureza, que era eterna, nos devia escravidão.

Muito recentemente, inteiramo-nos de que a natureza se cansa, como nós, seus filhos, e sabemos que, tal como nós, pode morrer.



Eduardo Galeano, escritor, é autor de, entre outros, "As veias abertas da América Latina".

quinta-feira, 19 de maio de 2011

Maiakovski, poeta da revolução

Não sou a pessoa mais indicada pra comentar poesias, por falta de sensibilidade neste campo.
Talvez por isso, o fato de me encantar com alguma  seja boa prova de seu valor.
Cumprindo um dos propósitos deste blog, que é difundir a cultura socialista, vamos apresentar alguns poemas do camarada Vladimir Maiakovski, poeta russo contemporâneo da Revolução de Outubro e da construção da União Soviética, primeiro estado socialista da história.
O objetivo aqui é despertar o interesse pela obra do autor, e demonstrar o potencial explosivo que há nas letras engajadas. Militante orgânico do partido bolchevique,  Maiakovksi ousou inovar na estética, já que "sem forma revolucionária, não há arte revolucionária".
Também segundo o comunista:
"A arte não é um espelho para refletir o mundo, mas um martelo para forjá-lo."

Seguem fragmentos da obra deste gênio soviético:

.
" Brilhar para sempre,
  brilhar como um farol,
  brilhar com brilho eterno,
  gente é para brilhar,
  que tudo mais vá para o inferno,
  este é o meu slogan
  e o do sol. "

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" Deus, que será de ti quando eu morrer?
  Eu sou teu cântaro (e se me romper?)
  A tua água (e se me corromper?)
  Sou teu agasalho, teu afazer.
  Vai comigo o significado teu."


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" O século 30 vencerá!
  Ressucita-me
  para que ninguém mais tenha que sacrificar-se por uma casa,
  um buraco.
  Ressucita-me
  para que o Pai seja ao menos o Universo
  e a Mãe, no mínimo a Terra."


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" O coração tem domicílio no peito.
  Comigo a anatomia ficou louca.
  Sou todo coração."


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     COMUMENTE É ASSIM

Cada um ao nascer
traz sua dose de amor,
mas os empregos,
o dinheiro,
tudo isso,
nos resseca o solo do coração.
Sobre o coração levamos o corpo,
sobre o corpo a camisa,
mas isto é pouco.
Alguém
imbecilmente
inventou os punhos
e sobre os peitos
fez correr o amido de engomar. Quando velhos se arrependem.
A mulher se pinta.
O homem faz ginástica
pelo sistema Muller.
Mas é tarde.
A pele enche-se de rugas.
O amor floresce,
floresce,
e depois desfolha.


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O POETA OPERÁRIO

Grita-se ao poeta:
"Queria te ver numa fábrica!
O que? Versos? Pura bobagem".
Talvez ninguém como nós
ponha tanto coração
no trabalho.
Eu sou uma fábrica.
E se chaminés
me faltam
talvez seja preciso
ainda mais coragem.
Sei.
Frases vazias não agradam.
Quando serrais madeira
é para fazer lenha.
E nós que somos
senão entalhadores a esculpir
a tora da cabeça humana?
Certamente que a pesca é coisa respeitável.
Atira-se a rede e quem sabe?
Pega-se um esturjão!
Mas o trabalho do poeta
é muito mais difícil.
Pescamos gente viva e não peixes.
Penoso é trabalhar nos altos-fornos
onde se tempera o ferro em brasa.
Mas pode alguém
acusar-nos de ociosos?
Nós polimos as almas
com a lixa do verso.
Quem vale mais:
o poeta ou o técnico
que produz comodidades?
Ambos!
Os corações também são motores.
A alma é poderosa força motriz.
Somos iguais.
Camaradas dentro da massa operária.
Proletários do corpo e do espírito.
Somente unidos,
somente juntos remoçaremos o mundo,
fá-lo-emos marchar num ritmo célere.
Diante da vaga de palavras
levantemos um dique!
Mãos à obra!
O trabalho é vivo e novo!
Com os oradores vazios, fora!
Moinho com eles!
Com a água de seus discursos
que façam mover-se a mó!




quinta-feira, 20 de janeiro de 2011

Marxismo e revisionismo, na visão de Che Guevara

Revolucionário dedica tempo à filosofia


Carta do comandante Ernesto Che Guevara a Armando Hart Dávalos, escrita em 4 de dezembro de 1965. Armando Hart foi ministro da Educação (1960–1965) e ministro da Cultura (1976–1997), atualmente é membro do Conselho de Estado da República de Cuba

Meu querido Secretário:

Felicito-te pela oportunidade que te deram de ser Deus; tens 6 dias para isso. Antes de que termines e te sentes a descansar (…), quero te expor algumas ideiazinhas sobre a cultura de nossa vanguarda e de nosso povo em geral.

Neste longo período de férias meti o nariz na filosofia, coisa que faz tempo pensava fazer. Encontrei-me com a primeira dificuldade: em Cuba não há nada publicado, se excluímos os tijolos soviéticos que têm o inconveniente de não te deixar pensar; já que o partido o fez por você e você deve digerir. Como método, é o mais antimarxista, mas além disso costumam ser muito ruins. A segunda, e não menos importante, foi meu desconhecimento da linguagem filosófica (tenho lutado duramente com o professor Hegel e no primeiro round me deu duas quedas). Por isso fiz um plano de estudo para mim que, acredito, pode ser estudado e melhorado muito para constituir a base de uma verdadeira escola de pensamento; já fizemos muito, mas algum dia teremos também que pensar. O meu plano é de leituras, naturalmente, mas pode se adaptar a publicações sérias da editora política.

Se você der uma olhada em suas publicações poderá ver a profusão de autores soviéticos e franceses que tem.

Isso se deve à comodidade na obtenção de traduções e ao seguidismo ideológico. Assim não se dá cultura marxista ao povo, no máximo divulgação marxista, o que é necessário, se a divulgação é boa (não é este o caso), mas insuficiente.

Meu plano é este:

I. Clássicos filosóficos

II. Grandes dialéticos e materialistas

III. Filósofos modernos

IV. Clássicos da Economia e precursores

V. Marx e o pensamento marxista

VI. Construção socialista

VII. Heterodoxos e Capitalistas

VIII. Polêmicas

Cada série tem independência com relação à outra e poderia se desenvolver assim:

I. Tomam-se os clássicos conhecidos já traduzidos ao espanhol, acrescentando-se um estudo preliminar sério de um filósofo, marxista se for possível, e um amplo vocabulário explicativo. Simultaneamente, se publica um dicionário de termos filosóficos e alguma história da filosofia. Tal vez pudesse ser Dennyk e a de Hegel. A publicação poderia seguir certa ordem cronológica seletiva, quer dizer, começar por um livro ou dois dos maiores pensadores e desenvolver a série até concluí-la na época moderna, retornando ao passado com outros filósofos menos importantes e aumentando volumes dos mais representativos, etc.

II. Aqui se pode seguir o mesmo método geral, fazendo compilações de alguns antigos (há tempo li um estudo em que estavam Demócrito, Heráclito e Leucipo, feito na Argentina).

III.  Aqui se publicariam os mais representativos filósofos modernos, acompanhados de estudos sérios e minuciosos de gente entendida (não precisa ser cubana) com a correspondente crítica quando representem os pontos de vista idealistas.

V.  Está se realizando já, mas sem nenhuma ordem e faltam obras fundamentais de Marx. Aqui seria necessário publicar as obras completas de Marx e Engels, Lenin, Stalin e outros grandes marxistas. Ninguém leu nada de Rosa Luxemburgo, por exemplo, que cometeu erros em sua crítica de Marx (tomo III) mas morreu assassinada, e o instinto do imperialismo é superior ao nosso nestes aspectos. Faltam também pensadores marxistas que depois saíram dos trilhos, como Kautsky e Hilferding que fizeram aportes e muitos marxistas contemporâneos, não totalmente escolásticos.

VI. Construção socialista. Livros que tratem de problemas concretos, não só dos atuais governantes, mas do passado, fazendo pesquisas sérias sobre os aportes de filósofos e, sobretudo, economistas ou estadistas.

VII. Aqui viriam os grandes revisionistas (se quiserem podem pôr Kruschev), bem analisados, mais profundamente que nenhum outro, e devia estar teu amigo Trotsky, que existiu e escreveu, ao que parece. Ademais, grandes teóricos do capitalismo como Marshall, Keynes, Schumpeter, etc. Também analisados a fundo com a explicação dos porquês.

VIII. Como seu nome o indica, este é o mais polêmico, mas o pensamento marxista avançou assim. Proudhon escreveu Filosofia da miséria e se sabe que existe pela Miséria da filosofia. Uma edição crítica pode ajudar a compreender a época e o próprio desenvolvimento de Marx, que não estava completo ainda. Estão Robertus e Dürhing nessa época e depois os revisionistas e os grandes polemistas dos anos 20 na URSS, provavelmente os mais importantes para nós.

Agora vejo que me escapou um, motivo pelo qual mudou a ordem (estou escrevendo voando).

Seria o IV, Clássicos da economia e precursores, onde estariam desde Adam Smith, os fisiocratas, etc.

É um trabalho gigantesco, mas Cuba o merece e acredito que poderias tentar. Não te canso mais com este blá-blá-blá. Escrevi a você porque meu conhecimento dos atuais responsáveis da orientação ideológica é pobre e, talvez, não fosse prudente fazê-lo por outras considerações (não só a do seguidismo, que também conta).

Bem, ilustre colega de lides filosóficas, te desejo sucesso.

Espero que nos vejamos no sétimo dia. Um abraço aos abraçáveis, me incluindo de passagem à tua cara e belicosa amizade.

Ernesto “Che” Guevara   04/12/1965

Fonte:http://www.horadopovo.com.br/2008/Janeiro/2632-11-01-08/P8/pag8a.htm

domingo, 21 de novembro de 2010

Vitória de Dilma é garantia de estabilidade na América do Sul




O papel desempenhado hoje pelo Brasil no contexto mundial, sua liderança na América Latina e as inovações da política externa do governo Lula, imprimindo posição mais soberana frente aos países economicamente hegemônicos, são temas destacados pelo cientista político e professor da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), Sebastião Carlos Velasco Cruz.

Especialista em Ciência Política, com ênfase em Economia Política e Relações Internacionais, nesta entrevista, Velasco explica porque “a vitória da presidenta Dilma Rousseff é uma garantia de estabilidade política na América do Sul”. Uma previsão feita com base nos resultados da política internacional praticada nos últimos oito anos pelo governo Lula, do qual, Dilma representa a continuidade.

Em sua análise, o professor da Unicamp -- pesquisador do Centro de Estudos de Cultura Contemporânea e do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia para Estudos sobre os Estados Unidos (INCT-INEU) -- avalia, ainda, as inovações da política externa brasileira, a relação do Brasil com os Estados Unidos, a importância do MERCOSUL; e alerta, sobretudo, para a necessária postura soberana conquistada pelo país frente a um contexto internacional cada vez mais multipolar.


Entrevista concedida pelo Professor Velasco (UNICAMP) a José Dirceu:


[ Dirceu ] Velasco, qual a inovação da política internacional adotada pelo governo Lula? Em quais aspectos ela se difere, por exemplo, da postura do governo anterior?


[ Velasco ] Até a chegada do governo Lula, em linhas gerais, a política externa do governo FHC era regida pela ideia de que o Brasil, país continental, poderia almejar um papel relevante, porém, modesto no cenário internacional. Isso tinha como implicação um perfil muito baixo no relacionamento com o mundo, em especial com os Estados Unidos. Privilegiava a diplomacia comercial e adotava uma atitude muito cautelosa na defesa dos interesses do país. A crítica que a oposição e o PT faziam à essa política incidia nestes pontos.

A política externa do governo Lula mostrou sua diferença antes mesmo de o governo se constituir, já na resposta dada à crise venezuelana: Marco Aurélio Garcia (assessor especial de relações internacionais da Presidência da República) viajou ao país como emissário pessoal do presidente eleito. Houve, portanto, um apoio para dar conta daquela situação que ameaçava a Venezuela com o espectro da guerra civil. Logo depois, a atitude afirmativa da política externa do governo Lula expressou-se na posição do Brasil durante a crise que culminou na invasão do Iraque.

A novidade não foi tanto a condenação deste ato de violência. Isso o ex-presidente Fernando Collor tinha feito em 1991, quando da Guerra do Golfo. O Brasil não a apoiou, ao contrário da Argentina. O que houve de inovador no governo Lula foi a desenvoltura da diplomacia brasileira e da atuação pessoal do presidente, que participou ativamente da frente internacional de oposição à guerra.

Como bem disse o embaixador Samuel Pinheiro Guimarães, o Brasil não tem a alternativa de ser um país normal, uma potência média como a Espanha ou a Holanda. Pelo seu tamanho, população, dotação de recursos, ou ele supera suas enormes disparidades sociais – e ao fazê-lo passa a ocupar no mundo um espaço proporcional a seu tamanho -, ou ele não supera esses entraves e se transforma em um país problemático.

[ Dirceu ] Como você avalia a relação EUA e Brasil, em especial, a questão dos tratados de livre comércio?


[ Velasco ] Historicamente, desde o século XIX, o Brasil mantém uma boa relação com os EUA. Em alguns momentos, como nos governos de Getúlio Vargas e do general Ernesto Geisel marcamos nossas diferenças. No caso do Getúlio Vargas, inclusive, como forma de encaminhar uma negociação favorável aos interesses brasileiros. A implantação da indústria brasileira, por exemplo, é resultado disso.

Na América do Sul, os EUA sempre viram o Brasil como um país de grande influência. Na realidade, o problema da relação entre os dois países não é a relação propriamente dita entre eles, mas a relação dos EUA com o mundo. Desde o final do século XIX, os EUA se voltaram para fora com um impulso muito grande, ocupando espaços e caminhando rapidamente para o exercício de uma posição hegemônica, condição que conquistam efetivamente após a II Guerra Mundial. No sistema de alianças que Washington montou nesse período, o Brasil é um país que tem um papel localizado, regional. Isso ficou muito evidente durante o golpe de 64, e no que se passou daí em diante.

O estremecimento que houve nos anos 70, com o Geisel e a política externa do seu governo – o “pragmatismo responsável” conduzido pelo chanceler Antônio Azeredo da Silveira – se deu porque o Brasil começou a se afastar do script e passou a exibir uma pauta de conduta autônoma. O episódio emblemático desta postura foi o reconhecimento da independência das colônias portuguesas na África.

O alcance desses conflitos, porém, era limitado. Apesar de ocasionalmente marcadas por problemas, nossas relações com os EUA nunca chegaram perto de um rompimento, ou de uma situação de hostilidade. Esse é o contexto no qual se dá o episódio do surgimento da Área de Livre Comércio das Américas (ALCA).

A questão ALCA

ImageA ALCA surge nos anos 1990, quando o Brasil estava realizando um movimento de enorme importância cujo resultado foi a constituição do MERCOSUL. Com ele, houve uma inflexão no relacionamento sempre delicado com a Argentina e tivemos a transformação de uma relação problema em uma aliança capaz de alavancar os dois países no plano internacional e, ao mesmo tempo, contribuir para a consolidação da transição democrática que estava em curso em ambos. Esse processo, como se sabe, foi muito mais complicado na Argentina do que no Brasil.

Então, quase que simultaneamente o primeiro Bush, presidente George Bush (pai), lançou a iniciativa, a ALCA, para as Américas: a proposta de se criar no hemisfério uma grande área de livre comércio que iria do Alaska à Patagônia. A diplomacia brasileira percebeu claramente essa iniciativa como uma ameaça ao seu modesto – ainda que importante – projeto de integração no Cone Sul.

Em 1994, essa ideia se converteu num acordo formal, assinado por todos os presidentes que participaram da reunião de cúpula em Miami. Desde então, o governo brasileiro passou a negociar a ALCA, ainda que com muitas reservas. Este processo termina em 2005, com a evidência de que ele não era viável e - naquilo que poderia ser - não interessava mais a nenhuma das partes. Então, a ALCA é uma carta que saiu do baralho.

[ Dirceu ] A ALCA começou no governo FHC e terminou no governo Lula. Quais as diferenças quanto a condução da questão nos dois governos?

[ Velasco ] Durante esse longo processo de negociações, há uma nítida diferença de comportamento entre o governo Fernando Henrique Cardoso e o governo Lula. A diplomacia brasileira nunca ficou encantada com a ideia da ALCA, mas nunca imaginou a possibilidade de dizer não à proposta. No governo Lula, a questão da ALCA já se apresentou de uma forma completamente diferente. Ela tinha sido tema da campanha eleitoral e houve mobilizações importantes da sociedade brasileira, com abaixo assinados contra a sua instituição.

Por outro lado, a América Latina havia se transformado enormemente. Já tínhamos Hugo Chávez na Venezuela, a crise argentina, enfim, as condições para a realização do que os EUA intentavam com o projeto da ALCA, em meados da década (2005), já não estavam mais presentes.

Brasil e Argentina: da rivalidade à aliança

[ Dirceu ] Qual a importância do MERCOSUL para o Brasil e para o continente?

[ Velasco ] O MERCOSUL é uma iniciativa de enorme importância, não apenas pelo seu significado econômico, mas pela mudança no relacionamento político entre o Brasil e a Argentina que se cristaliza no bloco. A necessidade imperiosa desta mudança já se fazia sentir ao longo dos anos 70.

Nessa época, o renomado cientista político Hélio Jaguaribe escreveu um trabalho sobre a inserção do Brasil no mundo, em que dizia exatamente que a condição para o nosso país ampliar seu grau de liberdade no relacionamento com os EUA era a transformação da rivalidade histórica com a Argentina em uma aliança sólida.

A importância do MERCOSUL, então, é enorme. A América do Sul hoje é completamente diferente do que era no passado. Os planos, os cenários de guerra com que as Forças Armadas de um lado e do outro trabalhavam não existem mais. No plano comercial e econômico, a Argentina é um dos principais parceiros do nosso país.

O MERCOSUL viveu um problema muito grande, que tem relação direta com as crises financeiras no final da década de 90 - a desvalorização do Real (1998), sobretudo, e mais adiante a crise dramática do peso argentino. Essas crises levaram os governos a tomar uma série de medidas defensivas. Mas o MERCOSUL continuou vivo e é o elemento decisivo, a mola propulsora, a plataforma de lançamento de um projeto maior que é a integração sul-americana.

O contrapeso da China

[ Dirceu ] Em relação a Ásia e a China, como você vê essa região e esse país hoje no mundo e o envolvimento deles com os EUA?


[ Velasco ] A China é a grande novidade da virada do século. É um país que se constrói como um contrapeso à potência ou potências hegemônicas. Terminada a Guerra Fria, os EUA detiveram não só uma posição de supremacia inconteste no sistema financeiro e uma base industrial muito forte, mas também uma predominância militar indiscutível.

Essa situação deu margem a um enorme debate, logo no inicio dos anos 90, após a Guerra do Iraque. Tratava-se de saber se essa situação era circunstancial ou se era uma estrutura permanente, se caminharíamos para um processo de desconcentração do poder mundial. Isso que era objeto de especulação nos anos 90, no final da primeira década do século XXI, parece uma questão superada.

Os EUA continuam sendo o país predominante, mas o sistema caminha para uma configuração multipolar e o pólo que cada vez mais ascende como o contrapeso é a China. De saída, pelo seu dinamismo econômico fora do comum, nunca visto. Nós vivemos algo parecido no Brasil, mas a China é um país muito maior, com uma população de mais de um bilhão de habitantes. Os números absolutos são incomparáveis.

Há alguns anos, li em um estudo do embaixador Amaury Porto de Oliveira, grande conhecedor da China, que o número de trabalhadores sazonais – que saem do campo e circulam pelo país em busca de trabalho – era de cerca de 80 milhões. Uma coisa impressionante. É como se fosse um México todo. Então, os números absolutos são outros.

O Brasil cresceu muito, a taxas comparáveis (à China), em certo período. Mas a China vem mantendo taxas de crescimento “milagrosas” há décadas. Isso envolve transformações estruturais muito grandes. A China integra a economia asiática, é o principal parceiro da Índia, Coréia, mesmo do Japão etc. Mas não é só isso, tem uma face financeira deste crescimento – fundos soberanos, aplicação em papéis americanos, investimentos em ativos reais, etc. Então, entre os dois países, EUA e China, existe uma relação de complementaridade e de tensão neste campo.

Agora, a China tem uma enorme dependência enérgica e investe pesadamente no mundo todo - na África e na América Latina - em busca do que é necessário para a alimentação deste sistema econômico tão dinâmico. O problema do relacionamento da China com os EUA e a Europa é que ela não faz parte do sistema de segurança montado pelos EUA.

O Japão também cresceu de forma extraordinária em passado não muito distante. Só que o Japão não apenas fazia parte do sistema de alianças dos EUA, como mantinha tropas americanas em seu território. Então, o dinamismo econômico do Japão não tinha o mesmo impacto, nem o significado geopolítico da expansão chinesa.

Como a China não está na órbita política dos EUA, o Estado chinês não pode apostar no mercado para regular o abastecimento dos recursos essenciais a seu sistema econômico. Porque os circuitos desse mercado são protegidos pela força militar da potência hegemônica, e nada garante que essa força não venha a se voltar contra a China em dado momento. Então, o tratamento da questão energética pela China não é e não pode ser estritamente econômico. As considerações de segurança se fazem presentes nas relações comerciais e nos investimentos. Os chineses tratam de estabelecer relações políticas com seus parceiros, e, mais recentemente, preparam-se para garantir militarmente as rotas marítimas vitais para a sua economia.

Forças progressivas na AL


[ Dirceu ] Depois de duas décadas de vitórias eleitorais, de avanços que se expressaram nas rebeliões e refundações com Constituinte da Venezuela, Equador, Bolívia; de avanços políticos e institucionais na Argentina, Brasil, Uruguai e Paraguai, nós tivemos o golpe de Honduras, a eleição de Juan Manuel Santos (Colômbia) e de Sebastián Piñera (Chile). Como você vê essa realidade combinando isso com a política agressiva norte-americana? Como vê as vitórias e o período de mudanças progressistas e essa nova correlação de forças que vai se estabelecendo?

[ Velasco ] Eu chamaria atenção, em primeiro lugar, para o caráter contraditório do desenvolvimento. Houve a vitória da direita no Chile depois de 20 anos do governo da Concertación. Mas ela era uma esquerda muito comportada e distanciada das experiências que você citou e que marcaram esta década na América Latina. Além disso, o Piñera fez um movimento de tomada de distância daquilo que foi o elemento definidor das políticas de direita (ditadura Pinochet, principalmente), ao reivindicar o voto da população chilena, que em sua grande maioria apoiava a presidenta Bachellet.

Tenho a impressão de que no Chile houve de um lado, uma condução prudente da oposição de direita e, de outro, um desarranjo na Concertación que impediu que uma presidenta com grande popularidade se envolvesse na campanha eleitoral. Ela se manteve à margem e só no final do 2º turno se manifestou.

A Bolívia viveu uma crise que quase levou o país a uma guerra civil, no final de 2008. Ela foi contornada com a ajuda muito importante de um mecanismo diplomático criado pela diplomacia brasileira: a União das Nações da América do Sul (UNASUL). Na sequência, o presidente Evo Morales vence plebiscitos e depois se reelege com grande maioria.

Então, temos situações muito diversas. Mesmo a Colômbia é uma interrogação, porque o (presidente Joaquim Manuel) Santos não é exatamente o (ex-presidente Álvaro)Uribe. Vamos ver como as coisas evoluem. A decisão da Suprema Corte colombiana em relação às bases militares dos EUA no país foi muito importante.

A impressão que tenho é que a América do Sul está em movimento e eu não vejo com pessimismo o que acontece. As preocupações maiores da diplomacia americana não estão voltadas para este subcontinente. Os EUA têm problemas muito graves para tratar no Oriente Médio, no Afeganistão, sem falar dos seus problemas internos. Mas essa dinâmica – integração econômica e intensificação das comunicações políticas na América do Sul – desperta alguma inquietação.

O papel militar na política externa

[ Dirceu ] Como você vê a relação entre poder militar no Brasil e a política externa?

[ Velasco ] Houve uma transformação muito grande do papel militar na política brasileira. Desde a Proclamação da República, os militares foram elementos decisivos na condução dos assuntos internos. Exerceram esse papel, aqui e em outros lugares, tomando posição em relação aos acontecimentos da política nacional, estabelecendo projetos e eventualmente dando golpes.

Após a transição, sobretudo depois da Constituinte, essa dimensão da relação militar e civil foi contida. Nós passamos por crises importantes no país e pela primeira vez os militares não estiveram presentes como um fator relevante.

A minha percepção – embora não possa afirmar, pois não faço pesquisa sobre o tema – é que os militares perceberam claramente que estamos no caminho do fortalecimento do Estado nacional, que tem como premissa a promoção social e a retomada do crescimento. Esta tarefa o governo vem realizando muito bem nesses últimos 8 anos. Isso é algo que casa com suas expectativas.

[ Dirceu ] Qual sua avaliação sobre a posição brasileira em relação ao Irã? O que você diria da sentença de apedrejamento aplicada contra Sakineh?

[ Velasco ] O que há no Irã e também no Afeganistão é uma interpretação distorcida da lei islâmica que para alguns tem essa implicação incompatível com qualquer noção minimamente aceitável de convivência humana no mundo moderno. A atitude do governo brasileiro foi de se manifestar contra o ato de apedrejamento. A opinião pública brasileira e de quase todo o mundo repudia essa violência.

O que é importante dizer a este respeito é que não é no Irã apenas que há violações e restrições à liberdade em geral, ocorre a discriminação contra a mulher. Basta pensar na Arábia Saudita. Há claramente, neste caso, o fato deplorável que é a utilização do escândalo como peça de uma campanha que é muito anterior a ele, contra o Irã.

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[ Dirceu ] Como você vê a posição dos EUA contrária à pesquisa nuclear do Irã para fins pacíficos? Por que eles dizem exatamente que não é com esses fins que o país desenvolve essa política?

[ Velasco ] A questão nuclear é muito simples: formou-se desde 1968 um cartel, com o tratado de não proliferação nuclear, um projeto de congelamento do poder mundial, como dizia o Embaixador Araujo Castro. Embora nunca tenha tido a pretensão de desenvolver armamento nuclear, o Brasil sempre o denunciou como desigual e inaceitável.

Agora, esse tratado de não proliferação nuclear envolvia, até mesmo para que fosse aceito, algumas cláusulas. Entre elas, estava o compromisso dos países industrializados de se desarmarem e de transferirem ou facilitarem a difusão do conhecimento da tecnologia nuclear para fins pacíficos ao conjunto dos signatários.

Na prática, isso não aconteceu. O Brasil, desde 1977, teve problemas com os EUA porque o propósito de construir usinas nucleares através de acordos com a Alemanha esbarrava no veto americano. É exatamente este veto, agora, que cai sobre o Irã.

Naquela região extremamente crítica, tensa e nuclearizada – Israel é um país dotado de cerca de 200 ogivas nucleares, se não me engano - os EUA procuram bloquear o programa nuclear pacífico do Irã, alegando que não é pacífico e que não foi provado que era pacífico. O problema de fundo é que, dominado o ciclo do enriquecimento do urânio, a transição do uso pacífico ao militar da energia nuclear é muito fácil. É esta possibilidade que afeta o equilíbrio estratégico na região.

O Brasil, como a Turquia – que negociou um acordo com o Irã, rejeitado pelos EUA - preocupa-se com a escalada, que tem como estágio final o emprego da força, seja por iniciativa de Israel, seja dos EUA. Esta é uma hipótese que as autoridades americanas sempre fizeram questão de afirmar que estava na mesa. No primeiro semestre deste ano, o Brasil e a Turquia fizeram um movimento muito bem sucedido, quando todos achavam que era inviável: a aceitação por parte do governo iraniano de um entendimento que reproduzia quase literalmente os termos da negociação proposta pelos EUA.

Este fato gerou inclusive a carta do presidente dos Estados Unidos, Barack Obama ao presidente Lula. O problema é que a posição brasileira na negociação com o Irã foi muito bem sucedida. A resposta grosseira e brutal do Departamento de Estado americano deve ser interpretada como uma mensagem ao Brasil e à Turquia: “nós não aceitamos este papel que vocês pretendem desempenhar na solução da crise.”

Comunicação: alimento da vida democrática

[ Dirceu ] Queria que você falasse sobre a mídia latinoamericana e sua associação com os golpes de Estado no continente. Grande parte dela cresceu sob a influência e apoio norte-americanos, de corporações daquele país ou até mesmo da CIA, à sombra das oligarquias nacionais ou durante as ditaduras militares. Hoje, a imprensa brasileira, na sua imensa maioria, faz um papel de partido político. E agora, temos essa discussão a respeito da regulação. Como você vê e analisa tudo isso?

[ Velasco ] É uma coisa muito grave. A comunicação é o alimento que mantém a vida democrática. Por isso a censura é a primeira medida das ditaduras. Agora, a censura não é estabelecida apenas pelos regimes ditatoriais. Se você controla os órgãos de imprensa, controla também as informações que circulam na sociedade. Tradicionalmente esse risco era minimizado pela possibilidade de vozes muito diferentes e pela desconcentração do mercado jornalístico. No século XIX os jornais eram contados às centenas.

O problema é que o processo de concentração e centralização se desenvolveu neste espaço também. E agora com as novas tecnologias, mais ainda. Nós não temos apenas grupos com presença predominante na imprensa escrita, mas na TV aberta ou fechada também. No Brasil - e isso vale para outros países - existem hoje 3 ou 4 grupos que controlam os grandes veículos de comunicação. Grupos familiares. Basta pensar na Globo, no Estado de São Paulo, na Folha, na Veja e estamos conversados. Existem diferenças entre esses veículos, mas a convergência é muito forte. Quando eles assumem uma pauta de partido político, e pior, quando agem como partidos sectários, eles distorcem de forma muito nociva, desfiguram o processo democrático.

No Brasil, esse problema é um pouco menor porque temos uma legislação que garante espaço na imprensa e na TV, pelo menos nos períodos eleitorais. Seja como for, esse é um tema crucial na agenda política no Brasil e um enorme desafio para a teoria e a prática democráticas.

Significado da vitória de Dilma Rousseff

[ Dirceu ] O que significa a vitória da Dilma Rousseff e a continuidade da política internacional do governo Lula daqui para frente?


Image[ Velasco ] A melhor forma de responder a esta pergunta é olhar os posicionamentos da oposição sobre os temas da política externa. Os dois partidos (oposicionistas) mais importantes nesse campo, o PSDB e o PFL/DEM, não dão muita prioridade à política internacional, mas os pronunciamentos de seus dirigentes (e dos diplomatas aposentados que circulam em seu meio) são eloqüentes: eles queriam a ALCA, mesmo que em troca de concessões mínimas por parte dos EUA; foram contra a diversificação dos laços comerciais e políticos com os países do Sul, o “Terceiro Mundismo”, na forma depreciativa que usavam para qualificar a diplomacia do governo Lula; e condenaram ruidosamente a disposição brasileira de negociar uma solução aceitável com a Bolívia, em 2006 (na questão do gás).

Eles chamaram repetidamente o governo de fraco por não rejeitar liminarmente os pleitos de países vizinhos – a Argentina e o Paraguai, em particular. Eles votaram contra o ingresso da Venezuela no Mercosul, e fizeram coro com a direita norte-americana no trato que o Brasil deu à crise (golpe militar de julho deste ano) de Honduras.

Tendo em vista esse currículo - bem como as declarações, durante a campanha, de José Serra - o mínimo que se pode dizer é que a vitória de Dilma em 31 de outubro é uma garantia de estabilidade política na América do Sul.

O Brasil, no governo Lula, exerceu um papel de liderança no processo de integração e de aprofundamento da democracia na região. O êxito da oposição aqui fortaleceria a direita em todo o continente, e abriria o caminho para novos ensaios golpistas como os que vimos ainda há pouco no Equador. A vitória de Dilma encerra a promessa de avanços significativos em ambas as direções. Mas seu significado pleno só fica evidente quando levamos em conta o enorme retrocesso que ela evitou.

E não é só isso. Essa oposição, muito enfática na denúncia, não fez o dever de casa e nunca desenvolveu uma concepção estratégica sobre o papel do Brasil no mundo.

Ora, contrariando as expectativas ingênuas criadas pelo fim da Guerra Fria nos bem pensantes, o mundo no século XXI tornou-se um lugar interessante, mas perigoso. Crises financeiras, violência terrorismo, guerra... são faces distintas do perigo que nos cerca. Em 2008, a crise financeira global levou os níveis de incerteza a um patamar bem mais elevado. Em meio às turbulências de um mundo assim, a clareza de objetivos, a noção precisa do rumo a seguir, e a coragem para avançar são bens inestimáveis. Na preservação desse patrimônio está o significado maior da vitória de Dilma para o Brasil e sua política externa.


Fonte: www.zedirceu.com.br